Foi um domingo triste



Foi um domingo triste.Muito triste.
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-Bom dia,seu Antônio
-Bom dia,doutora
Sabia que ela sairia no 8º andar.E ele continuaria,para cima,
para baixo,levando quase sempre as mesmas pessoas.Esse
seu trabalho-olhar,ouvir e marcar em segundos o destino de
quem na verdade nem bem o enxergava.
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-Bom dia,seu Antônio
-Bom dia,doutora.
Não se lembra quando uma coisa meio louca cismou com ele.
Mas tinha certeza que a doutora era única naquela multidão.
E isso o alegrava e magoava,num estranho sentimento de posse
e muitas vezes com a visão dolorosa de sua realidade.
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Foi o porteiro chefe que um dia se vangloriou de ter tido relações
com várias mulheres daquele prédio."No escuro de meu quarto,
sozinho,sou rei.Dou ordens,exijo posições estranhas e levo um
tempão para me satisfazer.E o melhor é que depois a mulher
não me aporrinha e ainda é de graça."
Quando há tempos Antônio experimentou pela primeira vez,
foi tudo com a doutora.E num delírio que não queria entender,
jura que ouviu a voz dela gemer que era muito bom com um
homem negro.Por isso não tinha vergonha em dizer que diferente
do porteiro chefe,passou a ser fiel a doutora,que,aliás,se mostrava
cada vez mais satisfeita.
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Até quando durariam suas férias do escritório?É verdade que não
importava tanto.Tinha certeza que a noite seria totalmente deles.
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Não sabe como conseguiu trabalhar quando leu na portaria um
aviso do 8º andar.A dra. Ruth Francis tinha falecido e o enterro
seria neste domingo.
No cemitério procurou se esconder entre túmulos.
Assistiu de longe.Quando tudo terminou chegou respeitoso,deixou
com um leve tremor as flores - de seu eterno homem negro.
Foi um domingo triste. Muito triste.

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